
O Surf
Fazer surf é muito mais do que apanhar ondas. É muito mais do que uma prova física. Surfar é fugir de tudo, da rotina, do dia-a-dia mecânico, do chão que pisamos e que nos mantém cientes da nossa humanidade. É escapar da realidade e mergulhar num mundo que não é nosso por natureza.

Os primeiros passos molhados, os dedos dos pés que se encolhem por causa da água fria, os meus olhos fechados escutando, ao fundo, o som poderoso das ondas a rebentar. Vou, de costas para terra, fugindo da minha realidade, numa nova investida sobre a maior força da natureza. É uma luta que sei que não vou ganhar mas, talvez seja isso que me faz não desistir para voltar a fazê-lo vezes e vezes sem conta. Porque, no fundo, o surf é um duelo sem vitória possível, uma batalha constante entre a minha mente e o horizonte, entre o meu corpo e o quebrar da rebentação, umas vezes violenta, outras leve. O desfeche, esse, é inevitável. O mar nunca perde.

O surf é um estado de espírito, muito similar ao ímpeto que fogueou a alma dos antigos exploradores, os que se lançaram sobre as tormentas e descobriram o novo mundo. É a recusa peremtória e vincada do conformismo do ser, é a vontade de tentar, de abanar com força os alicerces que estruturam o limite humano.
É a origem de uma força que cresce e ganha forma dentro de nós, e que nunca mais se irá desvanecer, só crescer, aumentar de intensidade para nos levar a novas alturas e a novos lugares, sempre mais longe, sempre mais desafiantes e inóspitos.
É normal ter receio de cair, de não ter jeito, de não te conseguires “pôr em pé à primeira”, mas isso não é, garanto-te, o objetivo principal do surf.
Não vou mentir. A distância temporal, que vai desde a compra da primeira prancha até à primeira onda cortada, é grande. Ainda maior, é o caminho que se percorre até entender o mar, em toda a sua personalidade e feitio. Mas os melhores desafios são os mais difíceis, certo?
É normal sentires medo

Num mundo cada vez mais uniformizado, o surf pode ser a resposta para muitas pessoas que procuram algo novo e diferente. Porque tudo o que fazemos nos transforma, mais vale fazer algo que nos desafie até ao limite, que ponha à prova toda a nossa coragem e capacidade de perseverança, porque isso, no final, faz de nós pessoas mais fortes, com maior apreço pela vida. Mais, faz de nós pessoas menos desistentes, ensina-nos a encarar obstáculos de cabeça erguida, a virar mais vezes as costas à zona de conforto e a encher o peito face a qualquer prova de valentia.
Vai ensinar-te a respeitar, vai fazer-te ver que, se és capaz de lutar contra o mar e sair ileso, não haverá nada neste mundo capaz de te travar.
Faz de ti uma pessoa mais forte fisicamente mas, principalmente, torna a tua mente mais estável e firme.
É uma lição de vida. Somos forçados a aceitar derrotas atrás de derrotas, para, ainda assim, nunca desistir de tentar. Torna-nos humildes, porque nos sentimos minúsculos face a tamanho poder, mas também nos torna mais ligados à natureza, por testemunharmos a sua beleza no estado mais puro.
O surf liga-te ao planeta.
É incrível como estar no mar, um lugar onde nenhum de nós nasceu e onde poucos vivem, nos torna mais humanos. Lá fora, cada dia é um novo dia. A onda que vem é sempre nova, é sempre diferente.
O surf é a repetição incessante da novidade.