
O que veio primeiro: a canja ou a galinha?
Os três maiores temas do fim de semana foram as Spice Girls, o Nicholas Cage e Canja de Galinha.

Passei agora um fim de semana na Serra da Estrela com um grupo de que gosto muito, mas cujos gostos têm tanto de ecléticos quanto de discutíveis. Se vos dissesse que os três maiores temas deste fim de semana foram as Spice Girls, o Nicholas Cage e Canja de Galinha, vocês devem perceber.
É que muita gente acha que as Spice Girls não eram grandes artistas, mas nós (como o Nelson Mandela e o Príncipe Carlos) acreditamos que elas são um ícone. E, igualmente, como há gente que acha que canja é sopa para doentes, nós achamos que é uma das grandes iguarias da culinária Portuguesa. E demos por nós, às três da manhã de um sábado, a filosofar sobre a origem da canja e decidimos ir pesquisar.
Descobrimos algumas curiosidades que quero partilhar convosco. Por isso, ponham lá o avental, apertem os cintos de segurança e preparem-se para aprender.
Ponto número um: a maior parte das receitas de canja online vêm de sites e blogs Brasileiros. Aliás, um até chama à canja “ uma das mais conhecidas no Brasil .” Cheirou-nos que havia aqui história. E há.
Parece que D. Pedro II, o Imperador do Brasil, consumia-a diariamente. Há até alguns episódios documentados dele ter mandado vir o caldinho nos intervalos dos espetáculos a que estava a assistir. Desculpem a piada fácil, mas: que rei!

E isto, ao que parece, é apenas parte da história real da nossa humilde canja de galinha.
Toda a linhagem dos Braganças tinha uma conhecida paixão por este prato. Já a sua mãe, a Rainha Dona Maria I, era louca por canja. Todos os dias a sua cozinha confecionava uma terrina real porque acreditavam piamente que ajudava a conservar a saúde. Tal como, aliás, ainda muitos defendem, incluindo o American College of Chest Physicians. Contam os registos do Palácio da Ajuda que, para não desperdiçar nada, o prato que se lhe seguia era invariavelmente a galinha que tinha sido cozinhada na sopa, guarnecida com “prezunto” e toucinho. Louvável, delicioso de certeza, mas ao segundo mês devia cansar.
(…) mas sobrava aquela questão inicial: onde começou? De onde veio?
A canja entre a nobreza seria tão omnipresente na altura, que foi a primeira coisa que provou o famoso Duque de Wellington quando chegou a Portugal. Sim, o mesmo que mais tarde derrotou Napoleão e inventou tudo e mais um par de botas, incluindo um maravilhoso bife. A canja descrita numa carta à mulher, Kitty, aparenta ter sido um pouco mais fortificada do que aquela que se come hoje em dia: levava galinha, orelha e toucinho de porco, enchidos, couve, massa, cebola e sal.
No meio disto tudo, já estávamos quase saciados de curiosidades, mas sobrava aquela questão inicial: onde começou? De onde veio?
A resposta vim a descobri-la mais tarde, nos Colóquios dos Simples e Drogas e Coisas Medicinais da Índia, de Garcia da Orta. Parece que encontrou no Estado de Malabar um caldo de arroz (canje, ou kanji). Era simples: arroz, água, e alguns temperos locais.
E com isto, chegámos a uma conclusão improvável: afinal de contas, a canja veio antes da galinha.