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O engano dos noodles

A expressão corrente “estás a falar chinês” diz muito acerca da dificuldade que existe quando a língua falada por duas pessoas não é a mesma, sendo o mandarim o expoente máximo dessa ideia.

por Joel Santos

leitura de 5 minutos

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Em 2009 fiz outra viagem épica pela China e, com o intuito de sondar uma secção rara da Grande Muralha, contratei um condutor local. Não esperava que falasse inglês, logo, como em viagens passadas, iria usar palavras previamente escritas em mandarim para explicar o que pretendia. O que não contava é que, devido a um problema congénito de fala, os próprios compatriotas não o entendessem, pois é uma língua dependente de subtis variações e inflexões nos tons vocalizados. Este detalhe fez com que uma série de episódios caricatos se desenrolassem, desde indicações erradas na estrada, a pedidos equivocados nos pequenos restaurantes locais. No entanto, é fantástico como a imaginação, aliada a imagens, pode originar uma linguagem universal, transformando situações insólitas em momentos memoráveis.

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Uma dessas circunstâncias surgiu à mesa, sendo que um simples pedido de “galinha com arroz” se transformou na confeção de uma espécie de “sopa de galinha com noodles”. Do engano surgiu a necessidade comunicar melhor. Um guardanapo, uma caneta e muita criatividade suplantaram a minha incapacidade de desenhar bem, pelo que lá surgiu algo parecido com uma galinha e um prato de arroz. O desenho despoletou a necessidade de, por parte do condutor, o transformar em caracteres, pois entregar o meu esboço infantil ao pessoal do restaurante estava fora de questão. Seguiu-se a minha curiosidade, assente na total incompreensão das palavras escritas, o que levou o condutor a explicar-me a lógica dos carateres chineses, sempre através de rabiscos e sem proferir uma palavra. E, assim, aprendi “pessoa – 人”/“multidão – 人群”, “madeira – 木”/”floresta – 森林”, “eletricidade 电 + cérebro 脑” = computador – 电脑”, entre outras palavras.

(…) transformando situações insólitas em momentos memoráveis.

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Vários guardanapos depois e ainda um maior número de tentativas para enrolar os noodles nos pauzinhos, fiquei próximo de “estar a falar chinês”, mas agora como sinónimo de compreensão, em vez de total desnorte. Considerando que a premissa inicial era o absoluto hiato linguístico, aquela refeição ficou marcada pelos sorrisos e memórias inesquecíveis. Nunca antes uma galinha com noodles me soube tão bem! 再见!(ver + novamente = adeus!)