
Fios de alegria
Comer é viver, é viajar, é reinventar, é recordar.

A comida é um elo de ligação entre as pessoas – o mote perfeito para reunir os amigos em torno de um jantar de sábado à noite, um almoço de domingo em família ou dois dedos de conversa encaixados a meio da semana com alguém que não se vê há algum tempo. Uma verdadeira miscelânea de ingredientes e emoções – apetite, conforto, aroma, partilha, saúde, paladar, felicidade – comer é viver, é viajar, é reinventar, é recordar.

Fecho os olhos e estou de regresso à cozinha transmontana da minha infância, onde se vive uma azáfama boa, com três gerações de mulheres a dar vida às receitas de família que nunca falham. Passaram da avó para a mãe, sem esquecer as tias e uma menina de 9 anos que, de avental à cintura e orgulho ao peito, já se encarregava da sopa e do frango. Conheço bem os tachos e tachinhos, as panelas e os panelões, navego uma cozinha de olhos vendados se for preciso, deixando-me guiar pelo calor do fogão, pelas formas certeiras dos utensílios, pelos ingredientes ordenados e facilmente distinguidos pelo toque, pelo cheiro, pelo gosto… Há sempre algo que nos guia na cozinha.
São fios de alegria e de aconchego, de gerações e tradições, de sabor e saudade.
E nessa cozinha transmontana, a aletria sempre foi um fio condutor, desde que doente e sem apetite, a minha tia, desejosa que eu levasse alguma coisa à boca, me perguntou incessantemente: “o que queres comer que eu faço?”. Finalmente respondi: “uma massa fininha”. E num abrir e fechar de olhos, saiu um prato de aletria doce e cremosa, a fumegar limão e laranja, para sarar paladares fastidiosos. E assim nascem os costumes e assim se criam novos hábitos. Uma receita típica do Natal e da Páscoa passou a ser uma receita para todo o ano, para qualquer dia. Simplesmente porque sim. Porque há sabores que não andam ao sabor do calendário, não têm dia, nem hora marcada.

São fios de alegria e de aconchego, de gerações e tradições, de sabor e saudade. São fios finos e frágeis, mas também fortes: unem-se magicamente na cozinha, para depois dar a volta à mesa vezes sem conta, unindo-nos uns aos outros e ao melhor da vida. E o que interessa sentarmo-nos para partilhar um prato maravilhoso se não há alegria?
Fecho os olhos e passo as mãos pelos ingredientes alinhados na bancada, à espera de darem vida à minha aletria: as meadas, o leite, o açúcar, o limão, a laranja, a essência de baunilha, as recordações transmontanas… vamos a isso, sai uma travessa de fios de alegria!