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Coincidências de um filme Indiano

Quando dois eventos relacionados ocorrem ao mesmo tempo sem terem sido planeados — uma coincidência —, o nosso espanto é inevitável.

por Joel Santos

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Mas quando tal acontece a milhares de quilómetros de casa, então é fácil ficarmos com pele de galinha perante tamanha orquestração cósmica.

Algo desta natureza aconteceu em Goa, Índia, enquanto deambulava com a minha namorada pelas ruas de traça portuguesa e colorida, agradavelmente inebriados pelos odores a especiarias e envolvidos pelo ar quente e húmido. A sede e a vontade de comer algo fresco levaram-nos até um pequeno café, onde o tempo parecia ter parado. Numa das mesas estava um cliente com cerca de 70 anos, vestido a rigor com uma camisa branca e calças vincadas, enquanto no balcão estava um jovem a atender. Pedi o que queríamos e, sem querer, em vez de dizer “thank you” saiu um “obrigado”, o que deixou o jovem no limbo da incompreensão, mas despertou a atenção do senhor sentado à mesa — “são portugueses?”, questionou ele num português perfeito. Obviamente, confirmei a sua suspeita e, em menos de um minuto ficámos a saber que, apesar de nascido em Goa, havia vivido em Portugal, onde aprendera as artes de alfaiate.

Um milagre é uma coincidência que acontece no momento certo.

No minuto seguinte, surge um jovem casal, louros e de olhos azuis, à porta do mesmo estabelecimento, sendo que a rapariga tinha ao pescoço uma almofada circular com a bandeira brasileira. Dessa vez, fui eu que disparei — “são brasileiros?”, tentando a minha sorte. A resposta foi pronta e positiva, o que, num instante, colocou em torno da mesa três nacionalidades unidas por uma mesma língua, partilhando pequenas histórias e aventuras de vida. Perante isto, o ar desconcertado do jovem do estabelecimento era impagável, pois, em menos de dois minutos, viu estranhos não relacionados e fisicamente tão distintos a falar noutra língua, sem perceber verdadeiramente o que se estava ali a passar. Esses estranhos, onde eu me incluía, sentiram-se em casa, aconchegados pelo prazer de comunicar, também incrédulos como aquele evento não relacionado tinha ocorrido num café tão recôndito.

 

Diz a sabedoria popular que um milagre é uma coincidência que acontece no momento certo. Talvez seja, não sei. Mas sei que, logo após sairmos do tal café, uma senhora octogenária percebeu que éramos Portugueses, convidando-nos de imediato para sua casa. Foi na sua mesa que, ao sabor de um Masala Chai e Bebinca, nos revelou que a sua cunhada era, na prática, nossa vizinha em Portugal. Concordo, não é um milagre, mas é, pelo menos, uma coincidência digna de um verdadeiro filme indiano.