
As massas da nossa vida
Como resistir a um prato que sabe a família, a bons tempos, a conforto?
Começa cedo. Com alguns meses de vida temos o nosso primeiro contacto com ela: simplesmente cozida e servida diretamente no tabuleiro da cadeirinha do bebé. Absolutamente perfeita para pequenas mãos explorarem, esmagarem, levarem à boca, brincarem, experimentarem! Mais um bocadinho e já estão de volta das nossas pernas a pedir um esparguete seco porque não há nada tão divertido como trincar massa dura! E depois é ouvir “só mais uma!” em loop…

E vamos repetir tantas vezes, porque é quase impensável não ter como um dos pratos preferidos da infância um clássico como massa com fiambre e ovo, que já foi reinventado vezes sem conta por mães e pais habilidosos. Seja com macarrão, laços ou fettuccine é o que estiver à mão, vai o pacote que estiver aberto… não faz diferença, fica sempre bem. E oxalá que sobre, porque aquecida no dia seguinte salva o almoço e ainda sabe melhor.
Quem nunca preparou rapidamente uma massa com atum numa noite quente de verão a meio das férias que levante o dedo! Ora vamos lá acrescentar uns suculentos tomates cherry, queijo fresco ou ovo cozido, há tantas variações quantas famílias portuguesas – às vezes pensadas ao pormenor, outras vezes improvisadas com aquilo que encontramos no frigorífico. Sempre regada com um bom fio de azeite – e vinagre para quem gosta – é cozer, misturar e saborear. Massas simples, mas que de simplórias não têm nada.
Massa é vida.
São aqueles pratos infalíveis que levamos no paladar e na memória, que se tornam uma rotina semanal quando estamos longe de casa, numa cozinha alugada com novos colegas, a testar novos caminhos culinários. Recorremos vezes sem conta a estas receitas secretas, mas sempre partilhadas, sempre elegidas unanimemente. Como resistir a um prato que sabe a família, a bons tempos, a conforto?
Em dias de desconforto, com o estômago embrulhado e um apetite desvanecido, ela também lá está. Mais pequena, em formato pevide, bagos ou então as letras que nos fazem lembrar o colo da avó, cozida lentamente com uma pitada de sal e um pouco de cenoura, é o caldo ideal para nos trazer de volta, ao sabor e à mesa.
Já chefes das nossas próprias cozinhas, experimentamos a integral, aquela pensada para o wok, com azeitona, a fresca, com ovo ou pesto… e com tinta de choco? Porque não?! Estamos finalmente a cozinhar só para nós, a pesquisar receitas diferentes, a organizar menus semanais, a descobrir novos ingredientes e o significado de al dente, fazemos combinações improváveis e caras feias, repetimos a dose, apuramos o processo, lambemos a colher de pau, numa verdadeira viagem gastronómica que é puro prazer.
E de repente, chega o dia em que estamos a cozer espirais tricolor para pequenas mãos e não resistimos levar uma à boca, assim simples, cozida em água salgada, temperada com a certeza que massa nunca é apenas massa. Massa é vida.